Eu sou a minha vida
Eu bem que gostaria
De escrever essa poesia
Leve, bonitinha, amável e macia!
Agradável aos sentidos da insossa,
pretensa “burguesia”!
Palatável, apreciável e vazia!
Mas o fato é que eu só tenho a
oferecer esta ferida!
O fato é que eu sou a minha vida,
Por um “não” desrespeitado
concebida,
Jorrada neste mundo denegrida,
Desde sempre rejeitada e ofendida!
Minha infância, de torturas
recheada!
Pai ausente, mãe doente e
abandonada...
Passava fome de comida e de amor,
quando acordada,
E à noite, aos meus três anos,
sonhava com minha mãe crucificada,
E eu, pequenina, vagava entre
mortos que “dormiam” na calçada!
Não preciso de Freud a decifrar
meus pesadelos!
Eu mesma me decifro e me devoro,
sem modelos!
Sempre fui eu sozinha a me puxar
pelos cabelos!
Do lamaçal imundo, ergui meu
mundo sem apelos!
Não vou virar dondoca, cheia de
regras e zelos!
Não, eu não aceito rédea alguma!
Porque eu vivi à margem, e margem
sou em suma!
Eu tenho alma selvagem, não
afeita a essa turma,
De gente que não sofre, que não
grita, que não chora, que não espuma!
Que fala sutilmente, agride
disfarçadamente, que se esquiva, que se apruma!
O sangue em minhas veias é
vermelho, não azul!
Entre “céu” e “inferno” eu me
situo mais ao sul!
Prefiro queimar viva a gelar no
teu iglu!
Agrupa teus conselhos e os enfia
no teu cu,
Porque da bosta-vida acho que sei
bem mais que tu!
Eu sou sobrevivente, sou o lixo
que emergiu!
Conheço abismos sujos que teu
olho nunca viu!
Enquanto tu “curtias” eu “curtia”
a pele ao frio!
E tenho muito orgulho da minha
vila, vilã, vil,
Pois só a vila acolhe toda
“puta-que-pariu”!
Enquanto a tua gente pisa em
cima, se acha forte,
A nossa força nasce para vencer a
própria morte!
Sou filha da miséria, e isto foi
é muita sorte,
Porque a tua “elite” é uma
fachada sem suporte,
Mas a minha força é minha, não
depende de aporte!
Podes partir agora, também acho
que já é tarde!
Melhor estar sozinha que ao lado
de um covarde!
Pode ser contagioso, se alastrar,
fazer alarde...
Daqui sigo meu rumo sem trair minha
verdade,
Porque eu sou a minha vida, e a
minha vida arde!
Jamila Saleh
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